A história dos homens está cheia de movimentos e personagens que a marcaram, homens que alimentaram dentro de si sonhos e ideais. Entre estes movimentos que nela deixaram rasto, conta-se o movimento franciscano, «uma intuição que surgiu no espírito e no coração de um homem» (T. Desbonnets), Francisco de Assis. Um jovem que não se acomodou à mediocridade da sua época, mas ele próprio soube ser contraste. Um "revolucionário" e iniciador de uma nova experiência religiosa que marcou a história de maneira impressionante, uma vida cheia de sobressaltos, de interrupções, rumo à realização de um ideal que lentamente se vai aclarando e concretizando, uma experiência pessoal onde rupturas e descobertas se sucedem até à identificação com o Evangelho tornando-se o novo evangelista do séc. XIII, e, quem sabe?, de todos os séculos. «S. Francisco de Assis é desses homens de quem a Humanidade sempre se sentirá orgulhosa. Suas qualidades forçam a simpatia; seus defeitos, se os tem, são encantadores; sua santidade nada tem de esotérico, efeminado ou temível; seus dons naturais suscitam geral admiração; seus ensinamentos exalam tal frescura, tal poesia e serenidade, que, neles, mesmo os espíritos mais embotados podem encontrar razões para amar a vida e crer na bondade divina» (O. Englebert).
Após as invasões dos Bárbaros estabelece-se na Europa o regime feudal com uma sociedade profundamente dividida, hierarquizada por privilégios e de enormes contrastes sociais, com duas grandes classes de pessoas: os maiores e os menores.
Surgem as comunas e uma nova classe social de artesãos e comerciantes, com sua nova dinâmica social de tendências democráticas, com sua nova economia monetária (até então as trocas comerciais eram em géneros) e maior mobilidade oposta à estabilidade em volta da terra. Esta mudança coloca novas questões éticas e novas exigências religiosas. A unidade cristã é abalada com o aparecimento de novas nacionalidades para lá dos Alpes com aspirações que contrastam com a ordem estabelecida até então - o ideal de cristandade. O choque entre o papado e o império, expoentes máximos daquela unidade, dá-lhe o golpe de misericórdia no séc. XIII.
Francisco de Assis nasce entre o feudalismo e as comunas, entre o ocaso do império unitário e o nascimento das nações, entre a língua sábia (latim) e a língua vulgar; encarna as virtudes activas e construtivas do burguês filho do povo e, ao mesmo tempo, os sonhos da cavalaria. Vive os contrastes de um século de transição.
As comunas subtraem-se à hierarquia feudal, mas também se colocam fora da órbita do monaquismo que tinha sido a força civilizadora e catequizadora da sociedade europeia da Alta Idade Média. Para os cidadãos que trabalhavam e se agitavam no município a abadia era tão necessária como o castelo roqueiro do senhor da terra.
Em vez dos monges aproximavam-se do povo obscuros reformadores com seus princípios de retorno ao Evangelho, de pobreza, de comunidade de bens, de compromisso fraterno, mas também com atitudes de contestação e rejeição da igreja oficial.
O Valdenses de Lyon acabaram por se confrontar com a hierarquia entregando-se á pregação livre e à divulgação da Sagrada Escritura. Em 1218 juntaram-se aos Pobres Lombardos ou Patarenos que, desde meados do séc. XII, se tinham tornado populares pela sua reacção violenta contra os escândalos do clero. Gozavam de grande aceitação particularmente entre os grémios de artesãos.
Apareceram também irmandades religiosas de novo tipo: os Humilhados da Lombardia, Pobres Católicos, etc.
São inegáveis os pontos de encontro entre o ideal perseguido por estes movimentos e a orientação evangélica da fraternidade franciscana.
A igreja oficial, fortemente impregnada de feudalismo, tinha feito um grande avanço na autonomia em relação ao poder civil desde Gregório VII. Inocêncio III, papa de grande personalidade e amplos horizontes religiosos e políticos, estava profundamente consciente de ser a cabeça da Cristandade, a cidade de Deus na terra, da supremacia do "sacerdócio" sobre o "império": o poder temporal sujeito ao poder espiritual. Seguia com positiva atenção qualquer manifestação da acção do Espírito no povo cristão.
A abadia beneditina tinha configurado durante seis séculos a sociedade europeia com a stabilitas loci, com seu programa de culto de louvor a Deus e de trabalho. O monge, sob o governo e acção do abade, recebia do mosteiro tudo quanto necessitava. A reforma de Cluny, a partir do séc. X, e a de Cister, desde o séc. XII, ofereceram ao mundo cristão duas fórmulas diversas do ideal beneditino.
Na mesma época iam aparecendo, com um parentesco maior ou menor com a família beneditina, várias ordens que gozavam de grande veneração entre o povo por sua forma de vida eremítica e pela sua austeridade: a Camaldula (1012), Vallumbrosa (1028), a Cartuxa (1084), Grandmont (1099) e Fontvrault (1101).
Por outra parte, os Cónegos Regulares foram adoptando desde o séc. XI a Regra de Santo Agostinho e o mesmo fizeram muitos grupos de eremitas. O essencial nesta corrente monástica era a vita communis: teto comum, mesa comum, oração comum (coro).
A Ordem Premonstratense fundada em 1119 unia a cura pastoral à vida cenobítica e assinala a passagem de uma concepção estritamente monástica da vida religiosa para outra aberta à actividade apostólica fora do claustro.
Porém, uma etapa verdadeiramente nova na vida de consagração inicia-se com os Franciscanos e Dominicanos, que souberam dar resposta às urgências do momento histórico. Começa a era do que mais tarde serão as ordens mendicantes.
Francisco de Assis nasceu em Assis, na Itália em 1181 ou 1182, filho de um abastado comerciante. Jovem como qualquer outro do seu tempo, vibra com os ideais da época, particularmente a cavalaria. Pouco a pouco, depois de experimentar, sente que isso não lhe enche o coração e, em oração diante do Crucifixo de S. Damião, ouve a voz de Cristo: "Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja".
Decide deixar tudo, família, amigos e todas as coisas do mundo para servir ao Senhor com uma vida extremamente simples, em austera mortificação, penitência e pobreza.
Muitos outros, vendo o exemplo de Francisco, quiseram segui-lo. Começam, então a surgir os primeiros companheiros. Eram seus amigos de juventude e amigos das festas, cismados com a mudança radical que viam nele. Agora só cuidava dos leprosos, dos pobres, dava tudo o que recebia e vivia nas grutas em oração. Não queria saber de dinheiro nem da vida cómoda que sua família lhe oferecia. A ele se foram juntando companheiros que passaram a viver como ele e com quem estabeleceu as regras iniciais da nova forma de vida.
A Ordem São Francisco teve início em 1209 quando, convertido, estabeleceu para si próprio vida de intensa vivência do Evangelho, em austera mortificação, penitência e pobreza. A ele, juntaram-se 12 companheiros, com quem estabeleceu as regras iniciais.
O Papa Inocêncio III, já em 1209, havia aprovado a Ordem verbalmente, mas foi em 1223 que a regra franciscana recebeu aprovação canónica, firmada pelo Papa Honório III, cuja regra permanece em vigor até os dias atuais. No decorrer do tempo, a estrutura da ordem dividiu-se em diversas ramificações.
Pouco a pouco o número de irmãos vai aumentando e amadurecendo o sentido da aventura evangélica mediante a experiência de oração e as privações da pobreza, pregando e mendigando o sustento.
Francisco e os seus primeiros seguidores tinham como modelo a vida de Cristo e dos Apóstolos. Enquanto a grande referência era a primitiva comunidade de Jerusalém, para Francisco e seus seguidores a grande referência é a vida de Cristo e dos Apóstolos. O Evangelho da missão escutado em 1208-1209 durante uma missa na Porciúncula, cedida pela abadia clunicense de Monte Subásio, é este texto que vai informar a vida desta primitiva Fraternidade, que Francisco escolhe para si e seus irmãos: viver com radicalidade o Evangelho, a pobreza absoluta do grupo (diferente da pobreza monástica), em itinerância, isto é, em estado permanente de missão penitencial, indo pelo mundo sem qualquer provisão: os meios de sustento habitual eram o trabalho e a esmola, se não recebessem o necessário para viver.
Quando já são doze os penitentes de Rivo Torto, em 1209, Francisco escreveu a primeira forma vitae, que se reduzia e uma série de textos bíblicos e pensou que tinha chegado o momento de pedir a aprovação da Igreja de Roma, para onde se dirigiram. Aqui se encontraram com o bispo Guido de Assis que o apresentou ao Cardeal João de S. Paulo, antigo cisterciense, que os tenta persuadir a ingressar nalgum mosteiro ou a retirar-se em vida eremítica (formas de vida já existentes). Encontrou também oposição na Cúria Romana. Francisco alegava apenas o direito de tomar a sério o Evangelho e conseguiu a aprovação (oral?) em 1209 pelo Papa Inocêncio III.
Inicialmente adoptaram o nome de Penitente de Assis (cf. TC 37). A seguir passaram a chamar-se pobres menores mas, vendo o risco que comportava esta designação na época em que tantos ostentavam a pobreza como bandeira de contestação, Francisco optou pelo nome de Irmãos Menores. Fraternidade e menoridade compendiavam bem o ideal evangélico. Terá que ver com o conflito existente então entre maiores ou nobres e menores ou burgueses, como se Francisco tivesse feito uma opção de classe? As razões devem antes buscar-se nos textos evangélicos que falam da humildade, do espírito de serviço e de aparecer em último lugar. Já na Regra primitiva dizia: e sejam menores (1C 38).
Em 1215 o IV Concílio de Latrão proibiu a formação de novas ordens religiosas; toda a nova iniciativa de vida regular devia aceitar «a regra e instituição de uma das religiões aprovadas» (Conciliorum Oecum. Decreta). Assim fizeram os Dominicanos que adoptaram a Regra de Santo Agostinho.
Quanto aos Frades Menores, Francisco sentia-se chamado a outra forma de vida e por ela lutou reverentemente diante do Senhor Papa e da Cúria Romana que via naquele estilo de vida proposto por Francisco e seus irmãos uma exigência difícil de concretizar, o que equivalia a dizer que era impossível viver o Evangelho, pois ele apenas se propunha ser um bom cristão.
A decisão de Latrão proibindo novas regras vinha colocar outro problema num contexto em que muitos movimentos que questionavam a hierarquia (heréticos) se apresentavam também. O papa Inocêncio III declarou que a sua forma de vida tinha já sido aprovada anteriormente pela Sé apostólica (cf. LP 67) naquele primeiro encontro de 1209.
A Igreja pressionava Francisco para que seu movimento religioso se enquadrasse nos moldes da vida religiosa de então, através da opção por uma das Regras existentes naquela época. Havia as já aprovadas Regras de São Bento, de Santo Agostinho e de São Pancrácio. Mas, diante de tal proposta Francisco dizia: “não me falem de Bento, nem de Agostinho ou de Pancrácio. Falem-me do Evangelho. Desejo seguir o Evangelho sine glosa”. Ele apenas queria seguir Jesus Cristo e viver o que Ele pregou e viveu. Não queria ser monge ou fundar uma Ordem monástica ou clerical. Queria somente viver o Evangelho, seguir os passos de nosso Senhor Jesus Cristo, ou seja, ser um bom cristão.
A vida segundo o Evangelho, tal como a deixou plasmada nos seus escritos pessoais e como foi vivida na espontaneidade dos primeiros anos caracteriza-se pelos seguintes elementos:
1 - Uma vida contemplativa e activa, fortemente inspirada no amor, que se manifesta em atitude filial diante de Deus, em clima de simplicidade e alegria.
2 - O meio fundamental do seguimento de Cristo é a pobreza-menoridade. A pobreza não é apenas a renúncia aos bens materiais e ao domínio jurídico, mas compromisso de total insegurança evangélica como grupo (pobreza institucional - colectiva e pessoal), desapropriação dos bens pessoais, interiores, da própria vontade…, para colocar ao serviço dos outros. A fraternidade de pobres deverá ir pelo mundo levando a mensagem de paz como peregrinos e estrangeiros neste mundo.
Os Irmãos Menores não moram em conventos. A fraternidade não necessita de teto comum (como na vida monástica) nem sequer da mesa comum nem de coro comum. A vita communis é na fraternidade franciscana vita more apostolorum ou vita apostolica, vida ao jeito de Cristo e dos Apóstolos, itinerante, libertação do grupo como tal para estar disponível para o Reino. Para Francisco, mais importante que a pobreza de cada irmão é a pobreza da fraternidade. Aliás, não fala de pobreza mas de desapropriação. E quando fala de pobreza associa-a sempre à humildade.
3 - Fraternidade é o nome dado pelo fundador ao grupo, composto por "irmãos espirituais", isto é, dóceis ao espírito e libertados de toda a apropriação egoísta mediante uma vida pobre e casta. Nesta fraternidade a nivelação dos irmãos é total, não há qualquer distinção (contrariamente à vida monástica), nem sequer entre sacerdotes e leigos, letrados ou ignorantes. As relações mútuas entre irmãos são reguladas pela «porfia em servir e obedecer uns aos outros». Que nenhum irmão se chame superior… Os que exercem a autoridade chamam-se ministros e servos dos outros irmãos (1R 4 e 5; 2R 10).
Esta fraternidade feita experiência cristã no interior do grupo abre-se a todos os homens, amigos ou inimigos, cristãos ou infiéis, e estende-se a todas as criaturas a quem chama de irmãs (fraternidade universal).
Até 1217 não podemos falar de organização: o centro animador era Francisco, modelo e mestre espiritual. Os que queriam juntar-se renunciavam a tudo o que possuíam e colocavam-se ao serviço dos leprosos.
A fraternidade reunia-se periodicamente em capítulos a fim de manter a consciência de grupo, de reforçar os compromissos comuns e, às vezes, para rever e completar os estatutos que garantiam a unidade e se iam adaptando as circunstâncias. Unidade não é uniformidade. Francisco respeitava muito a individualidade de cada um.
4 - O meio de subsistência era o trabalho. Quando este não rendesse o suficiente não faziam greve nem reivindicações mas recorriam à «mesa do Senhor» através da mendicância.
Ao entrar na fraternidade os irmãos continuavam a exercer os antigos ofícios como meio de procurar o sustento e de serviço como menores. Podiam ter para ele as ferramentas e instrumentos próprios do ofício. Outros trabalhavam nas casas das pessoas, ajudavam os agricultores nos campos (ceifar, colher azeitona, apanhar nozes, etc.). A retribuição era em espécies e não em dinheiro. A ocupação preferida era o cuidado dos leprosos com quem partilhavam o fruto do trabalho e a esmola (1R 7-9). De dia trabalhavam, pregavam ou pediam esmola; de noite recolhiam-se nalguma ermida, nas leprosarias ou nos átrios das igrejas ou nos fornos comunais, a não ser que alguém lhes oferecesse hospedagem.
5 - A pregação, mais com o exemplo do que com a palavra, é um factor essencial do serviço minorítico aos homens. Exerciam a pregação "penitencial", comum a todos, e doutrinal, reservada aos sacerdotes aprovados; mas também esta devia ser popular, endereçada à conversão.
Toda a vida dos Irmãos Menores devia ser pregação, anúncio do Reino: vida itinerante e retiro nos eremitérios, contemplação e acção no meio do povo, os trabalhos manuais ou a pregação, desde que não apagassem o espírito da santa oração e devação ao qual todas as demais coisas devem servir.
Nessa projecção apostólica ganha rapidamente lugar destacado a presença e acção missionária entre os infiéis (muçulmanos).
Todos estes elementos irão evoluindo na medida em que a fraternidade cresce em número e de acordo com as novas exigências.
Estre 1217 e 1226 dá-se a primeira grande transformação no movimento franciscano. A fraternidade cresceu rapidamente no primeiro decénio de vida e entram também nela homens de letras (fratres sapientes). Tamanho crescimento incontrolado trazia o perigo de uma admissão indiscriminada dos candidatos, que imediatamente são mandados pelo mundo sem a necessária formação. A espontaneidade inicial facilmente degenera em indisciplina ou em singularidades deformantes, tendo em conta que o indivíduo não estava protegido pelo ritmo de uma comunidade conventual.
O parentesco entre as aspirações dos movimentos heréticos da época e a forma de vida dos Irmãos Menores fazia também que estes fossem recebidos com desconfiança pelos bispos (cf. RnB 19).
Um passo importante na evolução interna e na projecção externa da Fraternidade foi dado no Capítulo Geral de 1219 em que se organizaram pela primeira vez as missões entre os infiéis. Um grupo parte para Marrocos (Mártires de Marrocos) e S. Francisco com outros companheiros partem para o Oriente e encontram-se com o Sultão do Egipto, depois de terem tentado dissuadir os Cruzados em Damieta de continuar a guerra contra os muçulmanos.
Na ausência de Francisco começa a vislumbrar-se na Fraternidade duas tendências opostas e uma tentativa de aproximação do monaquismo e disciplina das ordens monásticas.
Entretanto, em 1220 morrem os Mártires de Marrocos e o seu testemunho, motivo de alento para os Irmãos, traz Santo António à vida franciscana.
No Capítulo Geral de Pentecostes de 1221, o último no qual participam todos os frades, Francisco apresentou a redacção definitiva da Regra não bulada, que não tinha aprovação pontifícia.
O núcleo inicial da forma de vida, aprovado verbalmente por Inocêncio III foi-se ampliando e completando à medida que a Fraternidade crescia e na medida em que a realidade ia exigindo novas adaptações. Foram integradas as decisões do IV Concílio de Latrão para todos os religiosos e os conteúdos disciplinares da bula de Honório III Cum secundum consilium de 1220.
A Regra não bulada é o documento que melhor revela os ideais de Francisco. Porém, o rápido aumento do número de irmãos e as novas exigências trazidas pela dispersão por diversos países e actividades aconselhavam uma Regra mais estruturada.
Francisco retirou-se para o eremitério de Fonte Colombo no vale de Rieti com Fr. Leão e Fr. Bonizo. Ali, em largas jornadas de oração, foi ditando o texto da segunda Regra a Fr. Leão.
Em 1223, com a Bula "Solet Annuere", o Papa Honório III aprovou definitivamente a Regra, documento-base, em vigor até hoje. É a Regra bulada, autenticada com a bula papal ou também chamada 2ª Regra.
A Regra definitiva, com sua redacção mais breve e menos cheia de unção, mantém substancialmente todo o conteúdo essencial da primitiva legislação e nela se afirma a vocação evangélica da Ordem: proibição viajar a cavalo, de possuir dinheiro, o trabalho, as residências pobres, a itinerância, a pregação, as missões, a vida em fraternidade e a fidelidade à Igreja.
Por determinação do Fundador, os seguidores foram chamados de "Frades Menores". "Frades" (de frater=irmão), para indicar que a fraternidade é o aspecto fundamental de identificação do movimento franciscano da origens e de todos os tempos. "Menores", em clara alusão às palavras de Jesus e às duas classes sociais da época ("menores" e "maiores"), para indicar que a forma de vida e o lugar social dos franciscanos é viver "como" e "com" os pobres, sendo a desapropriação o segundo factor característico dos Irmãos Menores.
Neste período de tempo, segunda fase da evolução da Ordem, surge a primeira contenda em torno do ideal do fundador. O grupo dos homens de letras, a que pertencem todos os ministros gerais que sucederam a S. Francisco, é cada vez mais numeroso e influente. Por outra parte, a Sé romana impulsiona positivamente a ordem mediante privilégios e isenções que a afastam cada vez mais da simplicidade inicial, procurando remover todos os obstáculos ao apostolado dos Menores (Gregório IX).
A fraternidade vai-se transformando de uma fraternidade composta por clérigos e leigos em pé de igualdade em uma ordem de clérigos, isenta de jurisdição episcopal, bem organizada internamente e consagrada a uma acção eclesial de grande amplitude de meios. Mas há dois obstáculos a este desenvolvimento: o Testamento de S. Francisco e a desconfiança do clero secular. A Ordem tornou-se a primeira potência religiosa da Igreja, sob a protecção dos papas, o que a foi lançando para o afastamento do primitivo ideal de vida.
A tensão interna, centrada cada vez mais na maneira de entender a fidelidade à Regra e no valor que devia ter o Testamento, e as novas circunstâncias, levam a recorrer a Roma para pedir clarificação. A resposta chega com a bula Quo elongati (1230). Os interesses da instituição prevalecem sobre o reclamo do puro ideal, a instituição sobre o carisma (Cf. L. Iriarte, Historia Franciscana).
O papa Gregório IX no essencial mantém íntegro o programa de Francisco, um pouco suavizado em vista da acção apostólica da Fraternidade-Ordem.
A acção dos Menores encontrava entraves da parte dos clérigos e bispos que queriam exercer sobre eles jurisdição atribuída pelo direito vigente. O papa com a bula Nimis iniqua de 1231 declarou-os quase completamente isentos da jurisdição episcopal; daqui em diante só dependeriam dos bispos quanto à fundação de conventos e à pregação; porém, gozavam de plena autonomia na vida interna das comunidades, no culto e na administração dos sacramentos e na utilização dos donativos dos fiéis.
A Ordem tinha-se constituído na primeira potência religiosa da Igreja. A presença fraterna, pobre e humilde conquistava a simpatia do povo, apoiada pela protecção dos papas. Simultaneamente há o perigo de afastamento acelerado do ideal de vida primitivo. Não só fica para trás a fraternidade itinerante dos inícios como também abandonam os "lugares" simples, fora dos povoados para os substituir pelos conventos amplos no interior das cidades, com igrejas abertas ao culto e com uma acção pastoral fixa, cada vez mais autónoma, o que faz aumentar a reacção adversa do clero secular.
A fisionomia interna da fraternidade transforma-se, torna-se mais clerical, valoriza menos o trabalho manual fora de casa e os irmãos não-clérigos. Em matéria de pobreza criam-se meios estáveis de vida, sobretudo casas destinadas ao estudo. Os estudos organizam-se a sério e os Menores afirmam a sua presença nos grandes centros do saber.
A esmola, admitida por S. Francisco só como meio de subsistência, converte-se em recurso frequente. A Ordem torna-se "mendicante", o trabalho manual deixa de ser o meio de sustento e assume-se um estilo de vida cada vez mais monástico: claustro, hospedaria, ofício coral, missa conventual, silêncio regular, etc.
10.1 - A bula Ordinem vestrum de 1245. Houve de novo necessidade de recorrer à intervenção do papa e obteve-se de Inocêncio IV a bula Ordinem vestrum em 1245, segunda declaração pontifícia sobre a Regra. Por ela se permitia o recurso aos amigos espirituais não só para as necessidades urgentes mas também para as coisas meramente úteis e cómodas. Declarava-se que todos os bens da Ordem, móveis e imóveis, se não houvesse outra indicação dos benfeitores, eram propriedade da Sé apostólica (ius et proprietas sancti Petri); em consequência instituía-se um procurador ou representante do papa… Decretava-se a isenção absoluta dos conventos e igrejas.
10.2 - A querela dos Espirituais (1274-1318). Infiltração do joaquimismo. Os Zelantes (espirituais) e a “comunidade”. A busca do ideal primtivo.
Os Espirituais, que abarcam várias denominações, defendiam o compromisso radical de uma vida pobre (usus pauper); obtêm ora apoio ora condenação ou excomunhão dos papas sucessivos. A "comunidade" fazia consistir a pobreza na ausência de domínio jurídico sobre os bens (vivere de non próprio), ainda que dispusessem de tais bens em abundância. Sola abdicatio dominii facit pauperem, diziam. Francisco diz: sine proprio.
Figuras importantes: Hugo de Digne (+ c. 1255), Ângelo Clareno (+ c. 1337), Hubertino de Casal (+ c. 1329).
Ao longo deste período, e de quase toda a história dos Frades Menores, se vive a tenção em volta da fidelidade à Regra e a aceitação ou rejeição das interpretações da Sé apostólica. O conflito perpétuo entre o puro ideal e as exigências da vida real não tardariam a reaparecer sobretudo nos séculos XIV e XV. Uns aspiravam à observância fiel da Regra (observância) e outros adquiriram estatuto legal com mitigação (conventualismo). Este fenómeno é comum a todas as ordens religiosas a partir do séc. XIV, originando causas semelhantes.
"Observantes" são nesta época, os partidários do retorno aos primeiros fervores da fraternidade, amantes do recolhimento, da oração mental, da austeridade e da pobreza, da simplicidade dos edifícios e da celebração litúrgica; são os religiosos que recusavam qualquer dispensa da pobreza.
"Conventuais" são os moradores de edifícios espaçosos em que o ritmo solene e ordenado da vida comum (conventualismo) é um valor primário. O nome de Conventuais serviu até então para distinguir os frades que habitavam um convento dos que residiam no eremitério. Aplica-se a partir do séc. XV aos que não aceitam a reforma; admitiam a propriedade em comum, a recepção de rendas e doações.
Durante os séculos XIV e XV há uma decadência da Ordem influenciada também pela guerra dos cem anos (1339-1453), pela peste negra (1348-1350) que dizimou dois terços dos frades, levou à concentração nos grandes conventos onde a vida era mais cómoda, acentuou-se o ritmo monástico em detrimento da inserção social e pastoral e falta de selecção dos candidatos; e pelo Cisma do Ocidente (1378-1418). Abandonaram-se os eremitérios e "lugares" menores e construíram-se conventos espaçosos. Contudo, a Ordem manteve grande prestígio.
Durante o séc. XV nasceram outras reformas: Coletanos, Amadeítas (Beato Amadeu da Silva de Portugal), Descalços ou Guadalupenses em Espanha. Em 1517 Leão X funde-os com os Observantes. Os Conventuais passam teoricamente à jurisdição dos Observantes mas na prática continuam autónomos.
Assim, no início do séc. XVI, a Ordem dos Frades Menores compõe-se de duas grandes famílias: os Frades Menores Observantes e os Frades Menores Conventuais. Pouco tempo depois surgem os Frades Menores Capuchinhos (1525-1528).
Novas reformas nascem ainda durante o séc. XVI. Em Espanha, os Alcantarinos; em França, os Recoletos; em Itália, os Reformados. Não se separaram dos Observantes mas organizam-se em Províncias distintas com Constituições e hierarquias distintas.
Esta situação persiste até 1897 (Cf. G. De Paris). Leão XIII, à semelhança do que havia feito Leão X quatro séculos antes, reuniu os Frades Menores Observantes, cuja origem como acabamos de ver remonta ao séc. XIV, com os Alcantarinos, Recoletos e Reformados com o nome de Frades Menores simplesmente.
A "Observância". Por reacção contra o "conventualismo" da comunidade começaram a surgir diferentes grupos que aspiravam à observância integral da Regra (sem as disposições pontifícias), um movimento de regresso à simplicidade primitiva. Muitos dos antigos eremitérios voltaram a ser habitados. O conflito entre conventualismo e observância vai manter-se.
Para além dos grupos que pouco a pouco foram engrossando os quadros orgânicos da "observância", pulularam quase contemporaneamente outros focos de reforma, pelo que não é fácil sintetizar as aspirações dos diversos grupos. Um denominador comum ao espírito da reforma é a inquietação profunda diante do afastamento do ideal primitivo, manifesta na contestação contra as interpretações acomodatícias da Regra, adoptadas oficialmente pela "comunidade", e origina a constituição de grupos separados em busca de uma "observância regular" mais sincera.
É comum a tendência para viver em lugares retirados, por vezes agrestes, formando grupos pequenos, com o fim de descobrir a intimidade fraterna e de poder dar-se à oração contemplativa com maior liberdade. O exercício da oração mental é fundamental na espiritualidade de todo o movimento de observância na época.
12.1 - A separação: os Conventuais (1517). Até 1500 houve relativa paz na Ordem. O papa Leão X num esforço de união convocou conventuais e observantes a Capítulo Geral extraordinário em 1517 em Roma; obrigou também todos os grupos reformados independentes a enviar seus representantes. Neste soleníssimo Capítulo os conventuais recusaram oficialmente a solução de aceitar a reforma e de dar à Ordem um geral da observância. O papa decretou então a separação total, invertendo a relação de dependência mantida até então: a observância passava a representar hierarquicamente a Ordem; o geral conventual foi obrigado a resignar ao cargo e a entregar o selo.
A bula de Leão X Ite vos in vineam meam de 1517, completada por outra do mesmo ano excluía os conventuais da eleição do Ministro Geral; este denominar-se-ia Minister generalis totius Ordinis Minorum e usaria o selo da Ordem. Tanto os observantes como os demais reformados e os grupos amadeítas, coletanos, clarenos e guadalupenses integrariam daqui em diante a Ordo Fratrum Minorum, que podia chamar-se assim, ou também Ordo Fratrum Minorum Regularis Observantiae. Todos os reformados, de qualquer denominação, passariam a depender dos novos ministros da Ordem. O Geral dos Conventuais donominar-se-ia Magister generalis Fratrum Conventualium e devia ser confirmado pelo Ministro Geral de toda a Ordem, requisito que na prática não teve efeito. Ficava proibida a passagem da observância ao conventualismo e vice-versa; os conventuais reformados viveriam debaixo da obediência dos seus Superiores Maiores. Cada ramo conservaria as casas que tinha até à data da bula.
A bula Ite vos de Leão X, que dividiu a ordem, também é chamada “bula de união”, por ter acoplado na observância todos os grupos reformados. Tal união não foi efectiva. Se por um lado resolveu para sempre a querela entre o conventualismo e a observância mediante a separação, não conseguiu o segundo objectivo: a unificação dos diferentes grupos reformados, o equilíbrio na via média. Dá-se o distanciamento progressivo das duas famílias. A polémica entre os grupos reformados e a comunidade continuou, pois não respondia às aspirações de muitos, sempre no desejo de buscar o ideal original, como cada um o via.
12.2 - Os Capuchinhos (1525-1528). A bula de separação de 1517 resolveu a questão do regime entre conventuais e observantes mas para nenhum deles resolveu a questão da fidelidade à Regra. A luta, eterna, em torno da interpretação prática do ideal franciscano vai manter-se. As duas tendências, sempre latentes, vão-se enfrentar ao longo da história franciscana. No séc. XIII chamaram-se "espirituais" e "comunidade", no séc. XV "observância" e "conventualismo", no séc. XVI "estreita observância" e "regular observância". Ambas reconhecem como norma intangível de vida a Regra de S. Francisco, mas o grupo que busca o ideal puro interpreta-o à luz da vida do fundador e do Testamento, a outra tendência esforça-se por o actualizar de acordo com as exigências práticas da evolução da Ordem e dos seus objectivos de apostolado.
No seio da observância no início do séc. XVI abundavam os religiosos desejosos de maior observância que, não raramente, a título de maior perfeição vagueavam fora de qualquer obediência. A este movimento de retorno à vida eremítica e à observância da Regra em toda a sua pureza, encabeçado por Mateo de Bascio, o papa Clemente VII, com a bula Religionis zelus de 1528, dava existência jurídica à nova fraternidade dos Capuchinhos.
Ao longo de oito séculos de história da Ordem a figura multifacetada de S. Francisco de Assis originou divergências acerca das formas históricas de concretização do ideal primitivo, sempre numa tentativa de fidelidade às origens, de fidelidade ao ideal original de Francisco e seus primeiros seguidores. Estas divergências centravam-se sobretudo na interpretação da pobreza e fraternidade e foram elas que estiveram na origem das diversas divisões ao longo da história de que resultaram os três ramos hoje existentes dentro da chamada Primeira Ordem Franciscana: Ordem dos Frades Menores (OFM), Ordem dos Frades Menores Conventuais (OFMConv) em 1517 e Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFMCap) em 1528.
É importante, porém, notar que a pessoa de Francisco continua sendo a força modelar (= a forma minorum), apesar e além da Regra, de todos os movimentos de reforma ao longo dos séculos, os que apontamos rapidamente e muitos outros que testemunham a vitalidade do movimento franciscano e a atracção exercida pela prurifacetada figura de Francisco de Assis, sempre inatingível. Ele é o "irmão por excelência" que encarna o ideal comum (cf. Jordão de Giano).
Um capítulo de especial importância é a influência que o movimento franciscano teve nas letras e nas artes e na formulação dos direitos do indivíduo.
O espírito franciscano, ao encarnar as novas aspirações sociais e religiosas, ao introduzir sobretudo uma nova visão da vida, uma nova valoração do homem e da natureza, contribuiu muito para criar novos modos de expressão e novas rotas para o ideal do belo. A arte avança sob a influência do franciscanismo. A literatura torna-se descritiva. Na pintura cristã aparece pela primeira vez o retrato, com consequência do interesse suscitado pela pessoa de Francisco (Cimabue, Simone Martini); deixa-se de lado o convencionalismo hierático dos ícones bizantinos, o santo é representado como personagem histórico e real. Também a arquitectura recebe novo simbolismo dentro da dinâmica geral do templo gótico. Onde mais directamente aparece o influxo franciscano é no renascimento literário (Cântico das criaturas ou do Irmão sol).
A I Ordem Franciscana. A Ordem dos Frades Menores foi fundada por São Francisco de Assis, no ano de 1209, quando recebeu aprovação verbal do Papa Inocêncio III, e cuja Regra foi canonicamente aprovada pelo Papa Honório III, em 1223. É constituída por três ramos. Ordem dos Frades Menores (Franciscanos), Ordem dos Frades Menores Conventuais e Ordem dos Frades Menores Capuchinhos.
A II Ordem Franciscana. A Segunda Ordem Franciscana é formada pelas contemplativas de clausura, seguidoras de Santa Clara-São Francisco de Assis e Santa Beatriz da Silva. Dela fazem parte a Ordem de Santa Clara (Irmãs Clarissas), a Ordem das Irmãs Concepcionistas (Santa Beatriz da Silva), Ordem das Irmãs Capuchinhas
A III Ordem Franciscana. A Terceira Ordem subdivide-se em Secular e Regular. À Ordem Terceira Secular, hoje Ordem Franciscana Secular (OFS), fundada em 1221 por São Francisco, inicialmente só de leigos, casados e solteiros, agregaram-se também sacerdotes e religiosos. Além de muitas outras famílias franciscanas pertencem à Ordem Terceira Secular a JUFRA (Juventude Franciscana) e alguns Institutos Seculares como a Pequena Família Franciscana (PFF) e as Franciscanas Evangelizadoras de Nossa Senhora da Esperança.
A Terceira Ordem Regular (TOR) iniciou-se em 1250 e é composta exclusivamente por religiosos e sacerdotes. Desde o séc. XIII existiram grupos masculinos e femininos que se entregaram a obras de caridade e apostolado, sem nunca se ligar com votos solenes e ainda menos com a clausura regular. Porém, a grande floração de institutos franciscanos de toda a espécie produziu-se no séc. XIX, momento de maior decréscimo numérico e institucional dos ramos da primeira ordem, em muitos casos por obra de religiosos exclaustrados.
Pertencem à Terceira Ordem Regular os seguintes Institutos Franciscanos existentes em Portugal:
- Franciscanas Missionárias da Mãe do Divino Pastor;
- Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora;
- Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição;
- Irmãs Franciscanas da Imaculada;
- Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria;
- Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias;
- Franciscanas de Nossa Senhora do Bom Conselho;
- Escravas da Santíssima Eucaristia e da Mãe de Deus;
- Fraternidade Franciscana da Divina Providência;
- Servas Franciscanas Reparadoras de Jesus sacramentado;
- Irmãs Concepcionistas ao Serviço dos Pobres;
- Servas Franciscanas de Nossa Senhora das Graças.
E ainda os Institutos Seculares:
- Pequena Família Franciscana
- Irmãs Franciscanas Evangelizadoras de Nossa Senhora da Esperança
e a Fraternidade dos Irmãozinhos de São Francisco de Assis.
A Ordem Franciscana hoje é constituída por três Ordens, como segue:
Primeira Ordem, de frades:
- Ordem dos Frades Menores, ou Observantes (OFM);
- Ordem dos Frades Menores Conventuais (OFMConv);
- Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFMCap).
Segunda Ordem, de irmãs contemplativas de clausura, seguidoras de Santa Clara-São Francisco de Assis e Santa Beatriz da Silva:
- Ordem das Irmãs Clarissas;
- Ordem das Irmãs Concepcionistas;
- Ordem das Irmãs Capuchinhas.
Terceira Ordem, de leigos e clérigos, consagrados e consagradas:
- Ordem Franciscana Secular (OFS), também conhecida por Ordem Terceira de S. Francisco, Terceira Ordem Franciscana (TOF);
- Terceira Ordem Regular (TOR), masculina e feminina.
Frei Daniel Teixeira, OFM